Claudia Woods, diretora da Uber no Brasil, fala sobre o caminho das empresas para combater a violência contra as mulheres
Por Claudia Woods*, a Revista Exame
Para escrever sobre violência contra as mulheres, especialmente em pleno Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, é preciso já iniciar o texto com um parênteses. Tenho, cada vez mais, consciência do quão privilegiada sou e de que tive ao longo da vida oportunidades que não são igualmente acessíveis para todo mundo. Para mim, reconhecer que esse não é o caminho da maioria das mulheres é fundamental para qualquer reflexão e é também o ponto de partida para a tomada de ação.
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Pouca gente sabe, mas quando fui chamada para uma entrevista de emprego na Uber, minha primeira resposta foi simplesmente: não. Não queria trabalhar em uma empresa que, ao meu ver, não estava de acordo com meus valores pessoais. A impressão que eu tinha — e acredito que não estava só — era de uma cultura imprópria, especialmente com as mulheres.
E eu não estava errada. Só não estava conjugando no tempo certo. A empresa que passei a conhecer e ajudar a transformar, depois de muito trabalho, já era bem diferente da imagem que eu tinha antes de entrar. Já havia implementado diversas medidas para mudar o cenário que me preocupava e estava disposta a avançar ainda mais, mas fazendo apostas no longo prazo. Mudanças significativas e duradouras não são feitas em uma campanha de marketing, e contar a história para quem está do lado de fora é a última coisa da lista. Primeiro é preciso fazer o dever de casa, equiparando salários, contratando mais mulheres e contando com mulheres em posição de liderança. Fazer todas as mudanças corporativas necessárias e priorizar isso.
Hoje o quadro de funcionários da Uber no Brasil é composto por 50% de mulheres. E metade dos cargos de liderança da nossa frente de mobilidade também está sob responsabilidade de mulheres. Não digo isso com o orgulho de “chegamos lá”, nem acredito que exista um teto para a quantidade de mulheres que estão em posições de liderança — afinal, como dizia Ruth Bader Ginsburg, juíza da Suprema Corte americana, os homens sempre ocuparam todos os cargos e ninguém nunca se espantou com isso. Posso dizer que estamos na rota certa, mas temos muito o que avançar, especialmente quando olhamos para as mulheres negras.
Investir em equidade e inclusão se tornou parte de quem somos, mas além disso, sabemos que é também estratégico para qualquer tipo de negócio. Equipes inclusivas e diversas são o maior ativo de uma empresa, porque contestam suposições, estimulam a inovação e, por isso, são uma vantagem competitiva. E por mais que um CNPJ seja feito de muitos CPFs, essas políticas precisam ser maiores que uma pessoa ou uma ideia, é necessário transformá-las em processos estruturados.
Na Uber, penso essa estruturação em três blocos: 1) definição de metas públicas e cascateadas para todos os níveis de liderança, com metodologia clara de acompanhamento — como tudo mais que é feito em nossa empresa; 2) revisão de todo o sistema de recrutamento, das entrevistas à definição de remuneração — com garantia de paridade, e também de avaliação de performance. Instituímos, por exemplo, a Rooney Rule, para que todos os processos seletivos tenham necessariamente mulheres concorrendo e, mais recentemente, pessoas negras; 3) escuta ativa da opinião de nossos funcionários — ouvir o que funciona e o que pode ser melhorado e agir em cima disso é fundamental.
Tudo isso faz parte do caminho para uma empresa abraçar iniciativas de combate à violência contra a mulher. Não podemos atuar na ponta sem antes pensar as mudanças internas que colocam tudo em movimento. São times diversos e plurais que vão pensar em soluções igualmente diversas e plurais. Começa de dentro para fora.
Além disso, é também preciso ter clareza que a preocupação com segurança é em si um desafio para a entrada de mulheres no mercado de trabalho. Nós crescemos ponderando que roupa vestir, qual meio de transporte utilizar, quanto tempo vai durar o deslocamento e fazendo uma análise de risco mental automática em busca da autopreservação. O direito de ir e vir é marcado pelas precauções, mas ainda assim, de acordo com pesquisa realizada pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão com nosso apoio, 97% das mulheres já foram vítimas de assédio em meios de transporte e, para 72% delas, o deslocamento para o trabalho influencia na decisão de aceitar e/ou ficar em um emprego.
O fato é que a violência contra a mulher segue crescendo. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos de feminicídio aumentaram em 1,9% no primeiro semestre de 2020, sendo que durante o ano de 2019 já havia tido um aumento de 7,1% em relação ao ano anterior. Dentro desse universo, vale ressaltar que a maioria das vítimas são as mulheres negras — 66,5%, uma predominância que vem se repetindo ao longo dos anos.
* Claudia Woods é diretora-geral da Uber para o Brasil
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