A participação feminina no Poder Público
Completamos, em 2022, 90 anos de conquista do voto feminino no Brasil. Esse triunfo só foi possível graças à luta de movimentos sufragistas de mulheres do mundo inteiro, que refletiram também em nosso país.
Em Portugal temos o caso emblemático e inspirador da dra. Carolina Beatriz Ângelo que, além de ser a primeira mulher cirurgiã, foi também a primeira mulher a ter o direito a votar naquele país, o que ocorreu em 1911, nas eleições da Assembleia Constituinte. Esse feito só foi possível porque Carolina Beatriz conseguiu encontrar uma lacuna na lei eleitoral da época. Tal legislação reconhecia o direito de voto apenas aos cidadãos portugueses maiores de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família. Na condição de viúva, Carolina Beatriz invocou a sua posição de chefe de família e, após disputar em vão com o poder político, conseguiu decisão judicial favorável para inclusão do seu nome nos cadernos eleitorais.
No entanto, para evitar que tal exemplo pudesse ser repetido, o Código Eleitoral Português foi alterado no ano seguinte, em 1912, com a especificação de que apenas os chefes de família do sexo masculino pudessem exercer o direito de voto. Como esse, muitos exemplos de retrocesso revelam que as conquistas dos direitos das mulheres nunca foi tarefa fácil.
No Brasil, as mulheres só tiveram direito ao voto mais de duas décadas depois, em 1932. Ou seja, há menos de um século, nós mulheres não podíamos exercer com plenitude a nossa cidadania, pois não tínhamos o direito de escolher nossos representantes. Para alguns pode parecer algo distante, mas foi há pouquíssimo tempo, assim como tantos outros direitos básicos que só conseguimos ter acesso após muita luta.
O acesso ao estudo é um deles, pois há menos de dois séculos (até 1827) a educação brasileira era permitida somente aos homens. Também no esporte, houve a proibição no país, por mais de 40 anos (entre 1941 e 1983), da prática por mulheres em modalidades consideradas contra a “natureza feminina”, como o futebol por exemplo.
Em pleno século 21, não conseguimos imaginar as mulheres não podendo exercer esses e outros direitos tão básicos para qualquer cidadão. Mesmo assim, é importante destacar que as nossas lutas não findaram, pois temos de viver em constante esforço para garantirmos não só a manutenção de nossas conquistas, mas também o acesso efetivo a elas. Como exemplo, temos no Congresso Nacional projetos como o PL 1951/21, que garante o percentual mínimo 30% das cadeiras da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas e das Câmara Municipais a serem preenchidas por candidaturas de cada sexo, de forma escalonada e progressiva até as eleições de 2038 e 2040. A proposta foi aprovada no Senado Federal em julho de 2021 e remetida à Câmara dos Deputados.
Entretanto, nossa luta por espaço não se limita ao Poder Legislativo, pois em todas as esferas do Poder Público há uma disparidade imensa entre homens e mulheres. Buscando soluções que equiparem a participação feminina também no âmbito do Poder Judiciário, apresentei uma Proposta de Emenda à Constituição que normatiza o chamado “quinto constitucional” para composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios. A proposta determina que uma em cada duas das listas sêxtuplas de indicações para os tribunais sejam constituídas exclusivamente por indicações de mulheres.
Medidas como essa tornam-se necessárias pois as mulheres já representam mais de 50% das advogadas inscritas na Ordem dos Advogados do Brasil, atingindo, em 2021, a marca de mais de 610 mil profissionais, conforme dados fornecidos pela própria Ordem. No entanto, esses números não se refletem nos quadros da magistratura e especialmente na composição dos tribunais. Conforme dados constantes do “Diagnóstico da participação feminina no Poder Judiciário”, publicado em 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça, as mulheres representam 38% dos quadros da magistratura nacional, mas ocupam apenas 25% dos cargos de desembargadores nos tribunais brasileiros, sendo a discrepância ainda maior em algumas unidades da Federação, como em Mato Grosso do Sul que possui menos de 16% de participação feminina nos tribunais.
Temos consciência de que importantes avanços ocorreram e que estamos perto de atingir outros para fortalecer a participação feminina nos espaços de poder. Para que isso ocorra, é necessário incentivo e apoio por meio de políticas públicas e projetos que deem suporte a mulheres para que elas venham fazer parte das decisões políticas do país, e possam colocar em prática ideias transformadoras que irão definitivamente colocar o nosso país no patamar mundial que os brasileiros merecem, o mais alto. Acredito na capacidade da mulher e, principalmente, na força e na resiliência que temos para superar crises e crescer.
Um país só é democraticamente forte quando temos garantidos a equidade de direitos entre homens e mulheres, que individualmente têm suas particularidades e virtudes, mas que juntos são capazes de somar habilidades complementares necessárias para construção de uma sociedade plural, inovadora e justa para todos.
Senadora SORAYA THRONICKE
PODEMOS – MS
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